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Princípio da fungibilidade recursal: dificuldades práticas na liquidação de sentença e na impugnação ao cumprimento de sentença.

  • alexandre3695
  • 27 de ago.
  • 17 min de leitura

Atualizado: 2 de set.

Introdução


O sistema recursal tem por premissa essencial os princípios da unirrecorribilidade e da correspondência. Tirante os embargos de declaração – espécie de recurso coringa –, cada decisão judicial desafia uma única e apropriada modalidade recursal, conformando o requisito intrínseco do cabimento.


ree

Na seara do processo civil, a dicotomia se estabelece principalmente entre os recursos de agravo de instrumento e de apelação.


No sistema do CPC/1973, a aplicação do princípio da fungibilidade era ainda mais restrita, pois o agravo de instrumento e a apelação tinham praz

os diversos – 10 e 15 dias, respectivamente – e a jurisprudência exigia a observância ao prazo do recurso próprio à espécie.


Com a unificação dos prazos recursais para 15 dias, a partir da vigência da Lei no 13.105/2015 este requisito caiu por terra. Remanesceu apenas a dúvida objetiva quanto ao tipo recursal, que desaparece nas hipóteses de expressa previsão legal do ordenamento, dando lugar à consagrada expressão erro grosseiro (vinda do CPC/1939 e que não consiste propriamente em um segundo requisito para a adoção da fungibilidade recursal, à medida que a ausência de dúvida objetiva, per se, resulta em erro grosseiro).


No entanto, nem sempre o legislador é taxativo quanto à espécie recursal cabível. Existem algumas zonas cinzentas, que demandam análises mais aprofundadas. Pior é quando o legislador parece ser peremptório ao chamar de sentença o provimento judicial exarado na

primeira fase da ação de exigir contas (art. 550, § 5o, CPC), porém a jurisprudência e a doutrina arrefecem a disposição legal, segregando a procedência do pedido em decisão parcial de mérito (agravável) e a improcedência em sentença (apelável). A matéria, aliás, referente à incidência (ou não) da fungibilidade recursal neste caso específico, encontra-se afetada no Tema 1.281/STJ.


No geral, a jurisprudência, salvo raríssimos casos, é bastante refratária à fungibilidade recursal. A tendência dos tribunais orienta-se, no mais das vezes, pela certificação de erro grosseiro.


As incertezas sobre o tipo recursal próprio alcançam, em especial, as fases de liquidação e de cumprimento de sentença.


2. Aspectos teóricos do julgamento da liquidação de sentença e dificuldades práticas


Na concepção inicial do CPC/1973, a liquidação de sentença inaugurava uma nova relação processual, uma espécie de processo de conhecimento preparatório de uma futura execução forçada, decidida por sentença de mérito de natureza declaratória para, só então, viabilizar a propositura de uma terceira ação judicial: a execução de sentença.


Com as mudanças advindas da Lei no 11.232/2005 e mantidas pelo CPC/2015, institui-se o modelo do sincretismo processual. O processo tornou-se único, segmentado por fases ou módulos: cognição, liquidação de sentença (prescindível quando a execução pode ser iniciada por cálculos aritméticos) e cumprimento de sentença.


A Lei no 11.232/2005, por política legislativa, definiu expressamente que o provimento judicial exarado na fase de liquidação desafiava o recurso de agravo de instrumento, e, assim, tinha natureza de decisão interlocutória (art. 475-H, CPC/1973). À época, a doutrina processualista de escol destacou que foi esta previsão expressa do art. 475-H que fez transmutar o recurso cabível, pois, em essência, o provimento judicial do incidente de liquidação de sentença seria apelável:


“A rigor, não fosse essa explícita previsão, a decisão da liquidação, no regime estabelecido pela Lei 11.232/2005, continuaria devendo ser apelável. Afinal, ela veicula uma resolução de mérito, conforme exposto a seguir - de modo que se enquadra no conceito de sentença extraível da conjugação das regras dos arts. 162, § 1.o, e 269 (ambas da nova redação dada pela Lei 11.232/2005). Então, sentença que é, seria apelável, não fosse a expressa ressalva do art. 475-H.”


O citado artigo introduzido no CPC/1973 pela Lei no 11.232/2005 não tem correspondente no CPC/2015. E este silêncio suscita, por conseguinte, altercações doutrinárias.


Existem duas correntes para classificar a natureza jurídica da liquidação de sentença. Uma primeira corrente defende a autonomia deste incidente e outra considera-o parte integrante da fase de conhecimento.


A primeira corrente admite a dupla categorização da decisão que julga a liquidação de sentença. O cabimento de um recurso ou outro (Agravo de Instrumento ou Apelação) depende de a aptidão do decisum da liquidação ensejar a abertura (ou não) da fase de cumprimento de sentença.


Assim, se houver crédito em favor da parte vencedora do processo de conhecimento (liquidante), o que permitirá a instauração do incidente de cumprimento de sentença, o recurso cabível é o Agravo de Instrumento. Caso contrário, isto é, se inexistir crédito (p. ex.: liquidação zero, ausência exigibilidade), o decisum da liquidação deve ser combatido via recurso de Apelação.8 O critério, como se pode notar, é análogo ao do julgamento da impugnação ao cumprimento de sentença, objeto de exame no capítulo seguinte.


A segunda corrente parte do pressuposto de que a fase de cognição estabelece o que é devido (an debeatur) e a fase de liquidação limita-se a fixar o quanto é devido (quantum debeatur), conferindo contornos finais à coisa julgada. À luz desta corrente, o aperfeiçoamento da coisa julgada operado pela liquidação de sentença nada mais é senão uma etapa final do processo de conhecimento, com a ultimação da atividade jurisdicional cognitiva. Deste modo, ao dar números finais à coisa julgada, o provimento judicial – independentemente do conteúdo – tem a natureza de sentença:


“A decisão que encerra a fase ou o processo de liquidação põe fim a uma fase cognitiva. Por isso, é uma sentença.Não importa se houve liquidação da decisão ilíquida. A decisão que integra a norma jurídica é sentença tal como o é a decisão que encerra a liquidação por acolher uma das defesas arguidas pelo requerido ou a que julga improcedente o pedido de liquidação nos casos, por exemplo, de liquidação com dano zero”.


O raciocínio, aliás, está correto e decorre de mero silogismo. Cada fase processual (inclusive, a liquidação de sentença) termina, por certo, com o pronunciamento final. Logo, toda a decisão deste incidente que atribuir liquidez à sentença outrora ilíquida encerrará definitivamente a atividade jurisdicional de cognição de 1o grau e o seu conteúdo será de sentença de mérito, por modelar a tutela da fase de conhecimento e imprimir-lhe o status de coisa julgada material.


Esta concatenação de ideias encontra-se certificada na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:


“A definição do quantum debeatur, em liquidação seja por arbitramento, por artigos ou por cálculos, tem caráter integrativo da sentença proferida na fase de conhecimento, guardando, portanto, a mesma natureza desta.”


Ora: a natureza de sentença afirmada no julgado acima torna inexorável a interposição de recurso de apelação, de acordo com a peremptória dicção do art. 1.009 do CPC.


Ledo engano. A grande maioria dos pronunciamentos judiciais que decidem a fase de liquidação de sentença, abrangendo as modalidades de liquidação por arbitramento e liquidação pelo procedimento comum, são impugnáveis pelo recurso de agravo de instrumento.


Vejamos o exemplo mais comum: a decisão que homologa os cálculos na fase de liquidação por arbitramento. O Superior Tribunal de Justiça, à época em que a regra no CPC/1973 era o processo dualista – oposto ao processo sincrético –, havia sumulado a matéria “O recurso de decisão homologatória de cálculo efetuado para mera atualização das importâncias constantes de sentença de liquidação é o de agravo de instrumento” (Súmula 118/STJ).


Com a superveniência do processo sincrético, o entendimento segue válido:


“Tese de julgamento:

1. A decisão que homologa cálculos na fase de liquidação de sentença é interlocutória, cabendo agravo de instrumento.

2. A interposição de apelação contra decisão interlocutória constitui erro grosseiro, não aplicando-se o princípio da fungibilidade recursal."


Os dois últimos acórdãos do Superior Tribunal de Justiça citados no texto são bastante sintomáticos das dificuldades enfrentadas pelo operador de direito, já que invencivelmente contraditórios.


Diante deste paradoxo, o critério mais seguro para a escolha do recurso cabível no julgamento do incidente de liquidação de sentença é verificar se o provimento judicial permite (ou não) a deflagração da fase de cumprimento de sentença. Em caso positivo, o princípio da correspondência recursal vela pelo agravo de instrumento. Em caso negativo, pela apelação. Ou seja: deve-se usar as mesmas lupas do julgamento de procedência ou improcedência da impugnação ao cumprimento de sentença para a identificação do recurso cabível na fase de liquidação de sentença.


Este é o posicionamento jurisprudencial prevalente, dado que “O entendimento do Superior Tribunal de Justiça está fixado no sentido de que o recurso cabível contra decisão interlocutória, proferida em liquidação de sentença e que não põe fim ao processo, é o agravo de instrumento, nos termos do art. 1.015 do CPC/2015, sendo a interposição de apelação considerada erro grosseiro, o que impede a aplicação do princípio da fungibilidade".


Merece registro, por fim, uma situação bastante insólita: a liquidação de sentença nos casos em que o devedor está em recuperação judicial ou em processo de falência. Nesses casos, a Lei no 11.101/2005 impede a instauração do incidente de cumprimento de sentença no juízo (originário) onde sempre tramitou o processo judicial, porquanto o pagamento será regulado pelas regras de disputa de crédito firmadas no juízo universal (art. 6o, II). Assim, o juízo de origem findará a atuação na fase de liquidação de sentença, expedindo ao final a certidão de habilitação de crédito (art. 6o, § 1o, Lei no 11.101/2005).


Diante da vedação legal de o credor promover o cumprimento de sentença, em situações tais, a fase de liquidação será a última etapa processual do juízo de origem, de modo que o provimento judicial que aduz liquidez ao crédito sujeita-se ao recurso de apelação, justamente por estar proscrita a inauguração da fase executiva na espécie.


3. Aspectos teóricos do julgamento da impugnação ao cumprimento de sentença


O Código de Processo Civil revogado continha dispositivo específico que, de modo taxativo, fixava o agravo de instrumento como recurso cabível para desafiar o provimento judicial que rejeitasse a impugnação ao cumprimento de sentença ou a acolhesse, desde que não resultasse na extinção da execução (art. 475-M, § 3o, CPC/1973).


Embora o referido artigo do CPC/1973 não encontre correspondente no atual CPC, permanece sendo o agravo de instrumento o meio recursal próprio para hipóteses afins.


Hoje, no entanto, ao invés da redação categórica de uma norma (art. 475-M, § 3o, CPC/1973), a justificativa para a interposição do agravo de instrumento está no conceito legal de sentença e de decisão interlocutória (art. 203, §§ 1o e 2o, CPC).


O CPC/2015 instituiu o critério misto/cumulativo de conceituação da sentença. À luz do art. 203, § 1o, a sentença caracteriza-se pelo conteúdo (fundado no art. 485 ou 487) e pela finalidade topológica (pôr fim à fase de cognição ou de execução).


Já a decisão interlocutória apresenta-se com uma definição residual; todo decisum que não se enquadrar na moldura de sentença é considerado decisão interlocutória (art. 203, § 2o, CPC).


Pois bem. Como o pronunciamento judicial que rejeita ou acolhe em parte a impugnação não implica a extinção da execução (critério finalístico: art. 203, § 1o, in fine), o ato judicial não perfaz o figurino de sentença e, consequentemente, descarta-se o cabimento da apelação (art. 1.009, CPC). Não sendo sentença, resta-lhe a tipificação de decisão interlocutória (art. 203, § 2o, CPC), cujo recurso cabível é o agravo de instrumento (art. 1.015, p. ún., CPC).


A mens legis – expressa no art. 475-M, § 3o, CPC/1973 e, atualmente, captada da leitura sistemática do CPC/2015 – não desperta controvérsias no âmbito do Superior Tribunal de Justiça:


“No sistema regido pelo NCPC, o recurso cabível da decisão que acolhe impugnação ao cumprimento de sentença e extingue a execução é a apelação. As decisões que acolherem parcialmente a impugnação ou a ela negarem provimento, por não acarretarem a extinção da fase executiva em andamento, tem natureza jurídica de decisão interlocutória, sendo o agravo de instrumento o recurso adequado ao seu enfrentamento."


Infere-se, portanto, que, a depender da consequência do pronunciamento jurisdicional (extinção ou não da execução), a impugnação é decidida por sentença ou decisão interlocutória, o que definirá a única espécie recursal cabível: apelação ou agravo de instrumento, respectivamente – em conformidade ao princípio da singularidade, também denominado de unicidade ou unirrecorribilidade.


Interesse notar que o acolhimento da impugnação pode até mesmo ser total, mas o que realmente importa para a eleição do recurso cabível é a extinção (ou não) da fase de cumprimento de sentença. Ilustrativamente, se o único fundamento da impugnação é o excesso de execução – o executado alega dever 5 (e não 10) –, o acolhimento total deste meio de defesa não origina a extinção do cumprimento de sentença, porquanto a execução prosseguirá para a satisfação do débito reconhecido pelo próprio executado.


Desta forma, o acolhimento parcial ou total da impugnação revela-se indiferente para a fixação do recurso cabível. O critério concentra-se no efeito deste provimento judicial para o prosseguimento do cumprimento de sentença; em outras palavras, o recurso escorreito define-se secundum eventum litis. Essa inferência cirúrgica está nas lições de José Miguel Garcia Medina:


"a escolha do recurso a ser interposto contra a decisão que julga a impugnação deve ter como perspectiva o cumprimento de sentença. Assim, se com o acolhimento da impugnação ao cumprimento de sentença se extinguir o processo, caberá apelação; nos demais casos, caberá agravo de instrumento".


A mesma ratio – extinção ou não de uma fase processual – serve de diretriz para hipóteses outras, tais como: a decisão na primeira fase que julga (im)procedente a ação de exigir contas18 e a liquidação de sentença com resultado zero.


Como se pode observar, a modalidade recursal cabível contra o decisum que julga o incidente de impugnação ao cumprimento de sentença não deveria suscitar maiores polêmicas.


Não deveria! Contudo, a praxe forense tem demonstrado exatamente o contrário.


4. Provimento judicial de rejeição do incidente ao cumprimento de sentença: aspectos práticos


Muitos provimentos jurisdicionais que examinam a impugnação ao cumprimento de sentença têm se valido das seguintes expressões: “por tais razões, rejeito a impugnação e extingo a execução”.


Trata-se de vezo cada vez mais frequente e que, atecnicamente, promove indevido amálgama.


A rejeição da impugnação enseja apenas o encerramento do incidente processual por ela instaurado. A fase de cumprimento de sentença permanece ativa, intacta, muitas vezes estão ainda se ressentindo de atos de penhora, pesquisa de bens, alienação judicial, abertura de concurso de credores e, por fim, do pagamento ao exequente (última fase da execução).


Mesmo que a execução que esteja garantida, nada se altera com a decisão que rejeita a impugnação ao cumprimento de sentença. É que o provimento judicial da impugnação não tem aptidão para encerrar a execução. A execução será finalizada com o decisum que se apoiar em alguma das situações previstas no art. 924 do CPC – e que, fatalmente, será posterior à certificação do trânsito em julgado do incidente de impugnação ao cumprimento de sentença.


A indevida conjugação forense de rejeição da impugnação e extinção da execução provoca outro impasse de índole prática. Ao aludir o fim da execução, o juízo intrinsecamente suscita a interposição de apelação; contudo, como o juízo de execução extinguirá o cumprimento de sentença, na forma do art. 924 do CPC, se não terá mais consigo os autos que ascenderão do Tribunal?


Enquanto a apelação é um recurso endoprocessual, o agravo de instrumento, por sua vez, requer a formação de novos autos com interposição direta na instância ad quem.


Desta forma, por questões de tecnicidade processual e mesmo de ordem pragmática, revela-se absolutamente impróprio misturar os conceitos de rejeição da impugnação e de extinção da execução (ou do cumprimento de sentença).


Outra situação que se observa com recorrência é a prolação de provimento judicial com conteúdo de decisão interlocutória, que, inadvertidamente, está epigrafado de sentença.


Embora seja o legislador que indica o recurso cabível – e não o magistrado prolator da decisão –, nesses 2 (dois) casos a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça evoluiu para admitir a fungibilidade recursal diante do induzimento em erro.


A ausência de rigor pelo juiz prolator ao, por exemplo, mencionar a extinção da execução no provimento que rejeita a Impugnação ao Cumprimento de Sentença, gera dúvida objetiva sobre a acertada espécie recursal. De igual modo, a inadvertida referência à sentença, em provimento judicial que se caracteriza como decisão interlocutória, incute a insegurança no operador do direito sobre a adequada modalidade recursal.


Desse modo, a errônea denominação do pronunciamento judicial20, a imprecisão ou a falta de técnica do ato judicial impugnado21 e o induzimento em erro do jurisdicionado22 são hipóteses de subsunção ao princípio da fungibilidade recursal.


O posicionamento mais arejado do Superior Tribunal de Justiça mostra-se acertadíssimo ao arrefecer a atecnia processual impregnada na decisão. A criticável referência à “extinção do processo” não é capaz de subverter a opinião em uníssono da doutrina e jurisprudência. Do contrário, estar-se-ia conferindo ao magistrado a definição da modalidade recursal própria e, ato contínuo, dando-lhe a prerrogativa de revogar disposição expressa do Código de Processo Civil.


Como cediço: o recurso próprio é definido através de lei (ope legis), e, nessas condições, quando os termos literais do provimento judicial dão margem ao manejo de dois tipos recursais, ambos devem ser admitidos.


5. Tecnicamente, a aplicação da fungibilidade alcança apenas o recurso refratário ao princípio da correspondência


Não há a mais mínima dúvida de que a menção “à extinção da execução” na decisão que rejeita ou acolhe a impugnação (sem, de fato, encerrar o cumprimento de sentença) provoca perplexidade no operador do direito, máxime no advogado do executado.


O que seguir: a letra da lei ou a enviesada compreensão do prolator da decisão?


Ora: pelo princípio da singularidade recursal, toda decisão é impugnável por uma – e só uma – espécie de recurso. Logo, a discussão centra-se na definição do recurso próprio à espécie: a apelação ou o agravo de instrumento. Ao se defender o agravo de instrumento, automaticamente, se está infirmando o cabimento da interposição da apelação e vice-versa.


A objetividade da questão não comporta maiores digressões, menos ainda o vislumbre de uma terceira modalidade de recurso.


A legislação e as posições doutrinária e jurisprudencial são cristalinas em definir o agravo de instrumento como recurso cabível no caso de rejeição da impugnação ao cumprimento de sentença. Trata-se, portanto, de truísmo.


No entanto, a malograda referência à “extinção da execução” é potencialmente indutora a sinalizar o pretenso cabimento da apelação. Nesse desvão, é possível conhecer a apelação – erroneamente – interposta?


Entra a cena, então, a panaceia do princípio da fungibilidade recursal.


O caso mais comum de exceção ao princípio da correspondência é justamente a aplicação do instituto da fungibilidade. Permite-se, assim, que o tipo recursal impróprio seja admitido, isto é, ultrapasse a barreira inicial do juízo de admissibilidade para se adentrar no exame do mérito recursal, o que tecnicamente é denominado de fungibilidade por admissão.


Historicamente, a fungibilidade decretada pelo juiz tinha assento legal expresso no CPC/1939, mais precisamente em seu art. 810. Embora o CPC/1973 e o CPC/2015 não se refiram explicitamente à fungibilidade, o sistema processual e a jurisprudência sempre a admitiram. Essa incorporação atávica da fungibilidade preservava, na vigência do CPC/1973, os mesmos contornos e requisitos do art. 810 do CPC/1939: a existência de dúvida objetiva, a ausência de erro grosseiro e a observância ao prazo de protocolo do recurso adequado. No CPC/2015, permanecem vívidos os 2 (dois) primeiros requisitos, o último foi proscrito com a unificação dos prazos recursais (art. 1.003, § 5o).


A redação do CPC/2015 é, inequivocamente, mais clara, se cotejada a dos códigos antecedentes, em precisar o tipo recursal idôneo para cada ato judicial. Contudo, determinadas situações de acesa altercação doutrinária conferem terreno fértil à subsunção do caso concreto ao princípio da fungibilidade.


Na questão da rejeição da impugnação ao cumprimento de sentença, por exemplo, inexiste hesitação dos processualistas, jurisprudencial ou zona de penumbra. A improcedência da impugnação atrai o inconteste cabimento de agravo de instrumento.


A tranquilidade na compreensão do recurso correto, no entanto, muda de figura quando o juízo rejeita a impugnação e, inadvertidamente, consigna a extinção da execução. É esta infeliz “deixa” judicial, que toma de assombro o operador do direito.


Na seara recursal, o requisito do cabimento situa-se sob o pálio do legislador. É a lei a matriz do tipo recursal. Por esta razão, a interposição do agravo de instrumento, ao convergir com o preceito legal, torna-se incensurável.


A fiel consonância à lei impede que a aceitação do recurso correto – no caso, o agravo de instrumento – justifique-se pelo princípio da fungibilidade. O agravo de instrumento localiza-se nas entranhas do princípio da correspondência; é o recurso inexoravelmente cabível!


Daí que, neste exemplo, a cogitação da fungibilidade pode alcançar apenas e tão somente o recurso de apelação. Embora legalmente impróprio à hipótese em apreço, o recurso de apelação sob o filtro fungibilidade será formalmente uma apelação, mas materialmente um agravo de instrumento, permitindo que a execução transcorra normalmente em 1o grau.


6. A fungibilidade recursal exige parcimônia e, quiçá, a depuração da dúvida em prévia oposição de embargos de declaração


Existe também um outro ponto que merece a devida atenção.


Particularmente, vê-se com ressalvas a subsunção da fungibilidade nas hipóteses em que a matéria é legal e jurisprudencialmente pacífica. Ao ser rejeitada a impugnação ao cumprimento de sentença, não existe dúvida: o recurso correto é o agravo de instrumento.


Assim, independentemente da imprecisão judicial, a interposição de apelação na espécie caracteriza erro grosseiro e dúvida meramente subjetiva, já que vinculada ao insólito ato judicial, que se desprendeu do devido apuro processual. Contrariamente a isso, a fungibilidade recursal tem por pressupostos o sinal invertido destes critérios: (i) a existência de dúvida objetiva; e (ii) a ausência de erro grosseiro.


Pode soar injusto o advogado do executado ser induzido em erro. Porém, a este mesmo profissional do direito é dado, ad cautelam, opor embargos de declaração a fim de questionar a contradição contida na decisão (interlocutória) que rejeita a impugnação e, ao mesmo tempo, extingue a execução.24 Tomada esta providência, sim, poderia ser conhecido o recurso de apelação, com base no princípio da fungibilidade.


No entanto, a imediata e acrítica aplicação da fungibilidade, tornando dispensável a oposição de aclaratórios, é, ao nosso ver, prática – e, quiçá, estratagema – de sobeja injustiça ao exequente, porquanto o juízo da execução ficará sem processo (a partir da subida da apelação ao tribunal). Imagine-se a existência de valor incontroverso, os autos forçosamente ascenderiam à instância ad quem (art. 1.010, § 3o, CPC), o exequente continuaria privado de receber a quantia (por anos ansiada) e seria forçado à impositiva recriação dos autos perante o juízo de 1o grau – uma espécie de cumprimento de sentença provisório em execução já definitiva (art. 523, CPC).


Essas questões de viés prático, diante das diferentes dinâmicas da apelação e do agravo de instrumento, exigem prévio exame do caso concreto antes de se conhecer um recurso pelo outro. A fungibilidade requer temperança, não autoriza uso indiscriminado.


7. Considerações finais


O processo judicial é, por excelência, de natureza formal, burocratizado por ritos e manejado por técnicas específicas.


O princípio da fungibilidade representa o oposto. Confere nota de informalidade ao processo, proporcionando que o recurso incorreto seja conhecido, ao arrepio, muitas vezes, de questões processuais consagradas.


A liturgia e o estudo são ingredientes do cotidiano dos operados do direito. Decisões judiciais específicas, a exemplo da rejeição da impugnação ao cumprimento de sentença, ainda que ventilem a extinção da execução, podem ser depuradas pelo recurso de embargos de declaração. Mantida a inconciliável contradição, entende-se que, só então, se torna passível de aplicação do princípio da fungibilidade recursal.


A simples interposição da apelação, que em sua dinâmica própria retira o processo da tramitação de 1o grau, não pode servir de subterfúgio para o executado embaraçar a marcha executiva.


A fungibilidade recursal é, sim, necessária – e os hiatos normativos do CPC/2015 exigem sua aplicação –, porém, compreensões do sistema recursal, amplamente endossadas pela doutrina e pela jurisprudência, não devem ser arrefecidas a todo instante por irrefletidas expressões ou epígrafes no bojo do ato decisório.


8. Referências bibliográficas


  1. VASCONCELOS, Rita de Cássia Corrêa de. Princípio da fungibilidade: hipóteses de incidência do CPC de 2015. In: LUCON, Paulo Henrique Santos; MIRANDA DE OLIVEIRA, Pedro (Coords.). Panorama atual do novo CPC. Florianópolis: Empório do Direito, 2017.

  2. ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Dúvida objetiva: o único pressuposto para aplicação do princípio da fungibilidade. Revista de Processo, São Paulo, n. 65, p. 56-65, jan.-mar. 1992.

  3. STJ, AgInt nos EDcl no REsp n. 2.142.805/SC, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 9/9/2024, DJe de 11/9/2024.

  4. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. vol. II. ed. 44. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 90-91.

  5. CPC/1973: Art. 475-H. Da decisão de liquidação caberá agravo de instrumento.

  6. WAMBIER, Luiz Rodrigues; ALMEIDA, Flávio Renato Correia de; TALAMINI,

    Eduardo. Curso avançado de processo civil. vol. 2. 10. ed. São Paulo: RT, 2008. p. 107.

  7. BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de direito processual civil. 3. ed. São Paulo: Saraiva,

    2017. p. 433.

  8. STJ, AgInt no REsp n. 1.776.299/AM, Rel. Min. Marco Buzzi, Quarta Turma, julgado em 26/11/2019, DJe de 27/11/2019.

  9. DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandre. Curso de direito processual civil. vol. 5. 11. ed. Salvador: Jus Podivm, 2021. p. 259.

  10. STJ, REsp n. 2.072.667/PE, relator Ministro João Otávio de Noronha, Quarta Turma, julgado em 11/3/2025, DJEN de 7/4/2025.

  11. STJ, AgInt no AREsp n. 2.385.027/SE, relator Ministro João Otávio de Noronha, Quarta Turma, julgado em 14/4/2025, DJEN de 24/4/2025.

  12. STJ, AgInt no REsp n. 2.182.366/DF, relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Segunda Turma, julgado em 14/5/2025, DJEN de 20/5/2025.

  13. TJSC, Agravo de Instrumento n. 5001290-24.2020.8.24.0000, rel. Denise Volpato, Sexta Câmara de Direito Civil, j. 13/07/2021.

  14. CPC/1973: Art. 475-M. (...) § 3o A decisão que resolver a impugnação é recorrível mediante agravo de instrumento, salvo quando importar extinção da execução, caso em que caberá apelação.

  15. STJ, REsp 1.698.344/MG, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 22/05/2018, DJe 01/08/2018.

  16. JORGE,FlávioCheim.Teoriageraldosrecursoscíveis.8.ed.SãoPaulo:RT,2017.p.257.

  17. MEDINA, José Miguel Garcia. Direito processual civil moderno. São Paulo: RT, 2015, p.

    878.

  18. STJ, REsp 1.746.337/RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 09/04/2019, DJe 12/04/2019.

  19. STJ, REsp 1.127.488/RJ, Rel. Min. Sidnei Beneti, Rel. p/ acórdão Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, julgado em 18/11/2014, DJe 02/03/2015.

  20. STJ,REspn.2.135.344/RS,Rel.Mina.MinistraNancyAndrighi,TerceiraTurma,julgado em 8/10/2024, DJe de 10/10/2024.

  21. STJ, AgInt no AREsp n. 2.493.648/SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 12/8/2024, DJe de 14/8/2024.

  22. STJ, REsp n. 2.146.311/BA, Rel. Min. João Otávio de Noronha, Quarta Turma, julgado em 24/3/2025, DJEN de 28/3/2025.

  23. OLIVEIRA,PedroMirandade;SACHET,Márcio.Fungibilidaderecursalesuasespécies: por admissão e por conversão. Revista de processo (RePro), São Paulo, v. 45, n. 310, p. 153-169, dez. 2020.

  24. JORGE, Flávio Cheim. Teoria geral dos recursos cíveis. 8. ed. São Paulo: RT, 2017. p. 322.

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